domingo, 16 de janeiro de 2011

O descaso com a matemática

"Temos uma geração que tem preguiça de pensar. Entretanto, nunca se valorizou tanto a pessoa ou o profissional com boa capacidade de raciocínio, enfim, o resolvedor de problemas"
O Brasil obteve a 53.ª colocação em matemática entre os 65 países pesquisados na avaliação aplicada em 2009 pelo Pisa, programa subordinado à ONU e cujos resultados foram divulgados na Gazeta do Povo (8/12/10). Não se pode debitar ao acaso o fato de os países que apresentaram elevado grau de desenvolvimento nas últimas décadas estarem no rol dos mais bem classificados no ranking: 1.º China (Shangai); 2.º Hong Kong; 3.º Finlândia; 4.º Cingapura; 5.º Coreia do Sul; 6.º Japão; 7.º Canadá; 8.º Nova Zelândia; 9.º Taiwan; 10.º Austrália.
A Coreia do Sul nos anos 70 resignava-se com indicadores econômicos e educacionais até um pouco piores que os nossos. Trabalho persistente, cultura de valorização e elevados investimentos na educação fizeram daquele tigre asiático uma das mais bem-sucedidas nações emergentes. Hoje cerca de 40% dos jovens sul-coreanos, entre 18 e 24 anos, estão nas universidades. Aqui, apenas 12%. Se no Brasil a ênfase são as ciências humanas, lá são as pesquisas e o ensino em ciências exatas.
Lamenta-se o posicionamento do Brasil de um lado, mas comemora-se de outro, pois está entre os três países que mais evoluíram desde 2000, quando participamos pela primeira vez, saltando de 334 pontos para 368 em 2009, quando a China fez 600 pontos. Ir bem ou mal em testes internacionais de matemática tem elevado significado, pois, nas oportunas palavras do pensador francês Jacques Chapellon, “existe paralelismo fiel entre o progresso e a atividade matemática; os países socialmente atrasados são aqueles em que a atividade matemática é nula ou quase nula”.
Suponho que alguns leitores se contraponham às premissas acima. Mesmo assim é inegável que foram os antigos gregos que fizeram soar o gongo da nossa civilização porque dedicavam-se à matemática como um desafio intelectual ou pelo simples prazer de pensar. Para eles, a matemática exerce o nobilíssimo papel de serva e, ao mesmo tempo, rainha.
Como é uma atividade solitária, o aluno brasileiro não é atraído, pois culturalmente é pouco valorizada, quando não motivo de pilhérias ou bullying. “Não menospreze os nerds da sua escola. Você ainda irá trabalhar para um deles”, aconselha Bill Gates, que juntamente com Steve Jobs (da Apple) foram proeminentes nas disciplinas de ciências exatas.
Temos uma geração que tem preguiça de pensar. Entretanto, nunca se valorizou tanto a pessoa ou o profissional com boa capacidade de raciocínio, enfim, o resolvedor de problemas. Hoje o jovem aprende rápido e esquece rápido, não mergulha fundo e, assim, o aprendizado é fugaz ou fruto de um clique. Esse é um enorme desafio para pais e educadores. É uma luta permanente competir com as seduções do mundo digital: site de relacionamentos, games, internet, tevê, celulares etc. Ademais, o excesso de contextualização e superficialidade que permeia as questões de matemática na apostilas, livros, provas, vestibulares, especialmente no Enem, compromete o desenvolvimento do raciocínio. A matemática tem, sim, o escopo utilitário e prático, porém o seu maior legado é o incremento da têmpera racional da mente. Mesmo a profissionais que aparentemente passam ao largo dos algarismos, como os advogados – embora sejam ótimos no cálculo dos honorários – é preciso lembrar que uma boa demanda jurídica tem por fulcro um excelente encadeamento lógico.
Em síntese, só se desenvolve o pensamento lógico com o cérebro e com as nádegas. Sim – blague à parte –, é preciso organização pessoal, disciplina, uma mesa, uma cadeira, um ambiente de silêncio e a disposição para o aprofundamento. Um texto ou exercício mais complexo é um desafio e faz bem aos neurônios. Há muito mais sinapses em dez minutos dedicados a um problema difícil, mesmo não resolvido, do que na solução de três outros exercícios bastante acessíveis.
Raciocinar exige esforço. “Pensar dói”, declamava Brecht. Quando o rei Ptolomeu folheava os pergaminhos de Os Elementos, recheados de axiomas, teoremas e postulados, perguntou esperançosamente a Euclides: “Não existe uma forma mais fácil de aprender essas demonstrações?”. Não, majestade, não há estrada real para a Geometria, teria respondido o autor.
Jacir J. Venturi, formado em Engenharia e Matemática, é autor dos livros Cônicas e Quádricas e Geometria Analítica. 

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